Membros afiliados da ABC refletem sobre reunião de iniciação do S20
Entre os dias 11 e 12 de março de 2024, um grupo de membros afiliados da Academia Brasileira de Ciências (ABC) foi convidado a participar da Reunião de Iniciação da 8ª edição do Science 20 (S20), evento que reuniu representantes das academias de ciências de 19 países, além da União Europeia, a União Africana e outras organizações internacionais de ciência, tecnologia e inovação (CT&I). Saiba mais.
O encontro, inserido na agenda do G20 e tendo o Brasil como anfitrião este ano, foi organizado pela Academia Brasileira de Ciências, com o objetivo primordial de fomentar o diálogo entre a comunidade científica dos países do G20 e elaborar recomendações relevantes para os governos dos países participantes. Com o tema geral “Ciência para a Transformação Mundial”, foram debatidos cinco tópicos de relevância global: bioeconomia, inteligência artificial, desafios da saúde, justiça social e processo de transição energética.
Rodrigo Toniol, Thaiane Oliveira, Uéverton dos Santos Souza, Julia Clarke, Joanna Souza-Fabjan e Tiago Mendes.
Ao longo dos dois dias de debate, o grupo de membros afiliados da ABC composto por Thaiane Oliveira, Ulisses Pereira, Julia Clarke, Rodrigo Toniol, Joanna Souza-Fabjan, Tiago Mendes e Uéverton dos Santos Souza refletiu sobre alguns aspectos do encontro e expressou algumas das reflexões compartilhadas.
A revolução da inteligência artificial requer aprofundamento nas humanidades
Houve um consenso sobre a natureza única da revolução tecnológica atual, impulsionada pela inteligência artificial (IA). Diferentemente das revoluções tecnológicas anteriores, onde os postos de trabalho de menor nível intelectual eram os mais impactados, na era da IA cargos de alto nível intelectual também estão sujeitos à substituição. Esta é uma preocupação compartilhada por muitos representantes, que enfatizaram a importância de ferramentas de IA de acesso aberto. Os dados utilizados para treinar esses algoritmos são gerados por todos e, portanto, devem ser considerados bens comuns acessíveis a todos. A concentração dessas ferramentas nas mãos daqueles com recursos financeiros pode ampliar ainda mais as desigualdades entre nações e indivíduos.
Apesar dos inegáveis benefícios trazidos pela inteligência artificial e pela rápida evolução das tecnologias de comunicação, há um consenso emergente entre os países sobre a necessidade de examinar cuidadosamente os impactos dessas tecnologias, especialmente sobre as comunidades mais vulneráveis. Questões cruciais como vigilância de dados, privacidade e segurança cibernética destacam a urgência de aprofundar o debate sobre a ética no uso dessas tecnologias, tanto na esfera nacional quanto na governança global.
Ficou claro nos debates que o desenvolvimento científico e tecnológico não pode ser encarado como uma ferramenta para exercer controle sobre as populações, restringir liberdades individuais ou perpetuar injustiças sociais. Assim, é imprescindível que haja uma reflexão ética profunda sobre o emprego dessas inovações, garantindo que contribuam para o bem-estar social, para a democracia nos países e para o avanço da humanidade como um todo.
Para tanto, destacou-se a importância do investimento nas pesquisas em humanidades. Enquanto o progresso científico e tecnológico avança em ritmo acelerado, é fundamental que todas as áreas do conhecimento reconheçam a importância do aspecto social em suas pesquisas. Além disso, em diversas falas dos representantes de academias mundiais ficou evidente a necessidade vital de fortalecer o papel das humanidades para a formulação de políticas públicas, garantindo uma abordagem holística e socialmente comprometida, alinhada às necessidades da sociedade.
Essa preocupação se destaca no cenário contemporâneo, em que apesar do avanço tecnológico e a proliferação de ferramentas de comunicação e informação que oferecem um potencial extraordinário para conectar as sociedades globalmente, paradoxalmente, essa era de conectividade está sendo marcada por uma dificuldade crescente de diálogo e comunicação efetiva entre os diversos estratos da sociedade.
Nesse contexto, é fundamental destacar o papel crucial das academias de ciências mundiais. Elas não apenas acompanham os planos de ciência, tecnologia & inovação dos países, mas também desempenham um papel ativo na construção da opinião pública, promovendo o engajamento entre ciência, governo, sociedade e formuladores de políticas. Essa interação dinâmica é essencial para garantir que o progresso científico e tecnológico esteja alinhado com as necessidades e valores da sociedade.
Além disso, as academias contribuem para uma abordagem mais democrática e inclusiva no desenvolvimento de políticas e estratégias, fortalecendo assim a soberania nacional sobre seu próprio conhecimento dos países do G20. Conforme foi apontado pelo Acadêmico Carlos Henrique de Brito Cruz, vice-presidente sênior da Elsevier Research Networks e professor emérito da Unicamp, regiões como a Amazônia possuem um vasto potencial de conhecimento e recursos que devem ser protegidos e valorizados como parte do patrimônio global da humanidade. É crucial promover um reconhecimento do avanço do conhecimento científico no Sul, enquanto se promovem diálogos mais equitativos e inclusivos entre o Norte e o Sul global. Isso implica reconhecer e celebrar as contribuições únicas de cada país, suas forças produtivas de conhecimento para o avanço maior do conhecimento humano, visando uma colaboração global baseada na justiça social.
Um aspecto fundamental destacado durante as discussões foi o impacto que todas essas mudanças terão sobre a população jovem. Dentre os desafios destacados pelos representantes presentes, evidenciou-se a importância de analisar cuidadosamente como a IA, mudanças climáticas, transição energética e outros tópicos abordados pelos grupos de trabalho afetarão essa demografia. Essa preocupação também se estende aos jovens cientistas, cujo futuro está intimamente ligado aos desenvolvimentos nessas áreas. A rápida evolução de tecnologias de IA pode alterar significativamente a natureza do trabalho científico, exigindo outras habilidades e competências adaptativas das novas gerações.
Além disso, desafios globais como as mudanças climáticas, crises sanitárias, transição energética e cibersegurança, entre outros, representam questões urgentes que demandarão soluções inovadoras e interdisciplinares, nas quais os jovens cientistas de todo o mundo terão um papel crucial a desempenhar. Neste sentido, destacamos que os jovens cientistas precisarão estar preparados para enfrentar esses desafios, adquirindo habilidades interdisciplinares, capacidade de adaptação e uma compreensão abrangente das questões éticas e sociais relacionadas à IA e às mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, é necessário que sejam criadas oportunidades e apoio para que os jovens cientistas possam contribuir de forma significativa para enfrentar esses desafios globais, garantindo assim um futuro sustentável e próspero para as próximas gerações.
“Acreditamos que jovens cientistas como nós e as próximas gerações de cientistas serão fundamentais para construir as tão necessárias pontes com a sociedade, destacadas em inúmeras falas e pela audiência presente. Para tanto, se faz necessário um compromisso conjunto de todos os setores da sociedade, incluindo governos, instituições acadêmicas, setor privado e sociedade civil para uma atenção especial às novas gerações de cientistas, para garantir que esses jovens profissionais das diversas áreas da ciência, entre elas Humanidades, sejam capacitados e apoiados em suas jornadas científicas, possibilitando assim uma participação significativa e eticamente comprometida no diálogo entre ciência e sociedade. Somente através de um diálogo inclusivo e aberto promovido pela ciência, poderemos aproveitar plenamente o potencial das tecnologias emergentes para promover o bem comum e construir um futuro mais justo e sustentável para todos”, conclui o documento enviado à Academia Brasileira de Ciências pelos membros afiliados.
“Foi uma imensa honra ser convidada pela ABC para participar da reunião de abertura do S20 como observadora. A alegria só não foi maior do que a energia contagiante que permeou todo o evento. Foi incrivelmente inspirador conhecer e ter a oportunidade de ouvir cientistas notáveis discutindo temas tão relevantes e variados, desde o uso ético das ferramentas de inteligência artificial até os desafios sanitários globais e a busca por um planeta mais sustentável! Este evento foi um verdadeiro impulso para seguir adiante, repleta de determinação, consciente das questões urgentes que nossa sociedade enfrenta e inspirada a contribuir de forma significativa para um futuro melhor.”
Joanna Souza-Fabjan, doutora em Ciências Veterinárias pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Professora adjunta da Universidade Federal Fluminense (UFF) no curso de Medicina Veterinária e membro permanente dos Programas de Pós-Graduação em Medicina Veterinária e de Ciências e Biotecnologia, ambos da UFF. Membra afiliada da ABC RJ eleita para o período 2024-2028.
“Foi muito importante acompanhar o evento e ter uma visão ampla de como a ciência feita por nós, hoje, pode ajudar a orientar as diretrizes para o futuro. A ciência faz parte da nossa vida, tanto como indivíduos quanto como sociedade. Portanto, um debate embasado em ciência sobre temas que nos afetam no dia a dia é muito importante e necessário. Para mim, foi especialmente estimulante ouvir sobre as preocupações envolvendo a área da saúde – muitas das quais compartilho e abordo em minhas pesquisas. Além disso, foi muito interessante ouvir a opinião de especialistas de outras áreas sobre assuntos tão presentes e determinantes para a vida de todos nós. Considero que a ABC fez um excelente trabalho na elaboração do documento preliminar e na realização do evento, que vejo como muito bem-sucedido.”
Julia Clarke, doutora em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora adjunta do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membra afiliada da ABC RJ eleita para o período 2024-2028.
“A natureza de reuniões como a do S20 é necessariamente de fomento à cooperação internacional. Por isso mesmo, o tom geral do encontro foi identificar problemas transversais e buscar termos comuns para enfrentá-los. No entanto, isso não significa que este também não seja um encontro para que a comunidade internacional se solidarize com questões locais mais específicas, como foi o caso da demonstração de apoio aos profundos cortes orçamentários que os cientistas argentinos estão sofrendo.”
Rodrigo Toniol, doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor permanente do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro afiliado da ABC RJ eleito para o período 2024-2028.
“Participar das discussões na Reunião de Iniciação do S20 foi uma excelente oportunidade para minha carreira científica. Foi gratificante ouvir de diversos representantes a importância de reconhecer o papel das humanidades e da comunicação para fortalecer o diálogo com a sociedade. Uma ciência comprometida com o bem-estar deve valorizar não apenas o avanço tecnológico, mas também compreender as questões éticas e sociais que permeiam nossa sociedade. Reconhecer a diversidade de conhecimentos é fundamental para preservar a soberania nacional e global. Através desse compromisso conjunto e do diálogo aberto promovido pela ciência, podemos aproveitar plenamente o potencial das tecnologias e outros conhecimentos emergentes para construir um futuro mais justo e sustentável para todos.”
Thaiane Oliveira, doutora em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora efetiva da UFF, onde coordena o Laboratório de Investigação em Ciência, Inovação, Tecnologia e Educação. Membra afiliada da ABC RJ eleita para o período 2022-2026.
“A participação como ouvinte no S20 possibilitou o melhor entendimento de como a política pública aplicada ao desenvolvimento científico pode ser enriquecida a partir da discussão e visão de comunidades com elevada diversidade, tal como os participantes dos eventos. Entender os pontos em comum e específicos de cada nação e blocos políticos relacionados às preocupações com desenvolvimento científico e tecnológico é uma ferramenta valiosa para nosso próprio crescimento como cientista, aliado às demandas e necessidades sociais. Os importantes tópicos discutidos durante a reunião estão integrados ao meus projetos e discutidos dentro dos grupos de pesquisa que tenho maior relacionamento, de forma a amplificar as importantes mensagens obtidas do evento. Além disso, foi possível realizar novos contatos para futuras colaborações no âmbito mundial, contribuindo para uma ciência mais integrativa, internacionalizada e acessível.”
Tiago de Oliveira Mendes, doutor em Bioinformática pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor adjunto A do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Membro afiliado da ABC MG&CO eleito para o período 2022-2026.
“Participar das discussões no S20 foi muito interessante e enriquecedor. Em especial, como cientista da computação, ver as preocupações globais sobre a influência de tecnologias e inteligências artificiais na sociedade e na manutenção da democracia reforça o quanto a regulamentação do uso de ferramentas de IA deve ser discutida na atualidade. Também me chamou atenção a preocupação sobre o potencial aumento da desigualdade tecnológica entre países, uma vez que grande parte do volume de dados bem como o poder de processamento desses dados estão centralizados em poucas empresas sediadas em países ricos, o que também coloca em questão a reprodutibilidade dos experimentos e seus resultados.”
Uéverton dos Santos Souza, doutor em Computação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do Instituto de Computação da UFF. Membro afiliado da ABC RJ eleito para o período 2024-2028.
“A reunião de iniciação do S20 foi emocionante desde o convite que recebemos! No dia do evento, senti uma emoção indescritível ao estar perto e conversar com pessoas que tanto admiro. Foi especial perceber que a ciência está repleta de pessoas incríveis que pensam de forma ampla, fora da caixa, com o objetivo de impactar significativamente na transformação para um mundo melhor. Também foi gratificante ver que os temas que nortearam o evento se encaixam perfeitamente com minha linha de pesquisa, como a aquacultura na bioeconomia e a resistência aos antibacterianos, que são temas relevantes nos desafios da saúde. Nunca um evento me estimulou tanto a seguir na ciência, especialmente focada na inovação e na construção da ciência brasileira do futuro.”
Ulisses de Pádua Pereira, doutor em Ciências Veterinárias pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Professor adjunto da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Membro afiliado da ABC Sul eleito para o período 2024-2028.