Liderança brasileira de ciência e tecnologia no G20 quer convergência e reconhece diferenças no grupo
Leia matéria de Victoria Netto para o Valor, publicada em 12 de março:
O modelo do Brasil na condução dos debates sobre tecnologia e inovação no G20 será pautado pelo diálogo e não pela imposição de ideias, afirmou a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, em entrevista ao Valor nesta segunda-feira (11).
A ABC é instituição responsável por coordenar o Science 20 (S20) neste ano, um dos núcleos de engajamento do G20 Social. Os trabalhos ocorrem na esteira da presidência do Brasil no grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e a União Africana, que estreou na cúpula este ano.
“Não queremos impor ideais, já houve outros momentos em que isso aconteceu e os demais países não quiseram assinar. Cada país vai expor o que é prioridade em sua visão”, disse Nader. “Precisamos buscar diálogo com os diferentes países para ter convergência, porque quanto mais gente tiver as mesmas propostas, maiores as chances de sucesso. A ciência pode dar a resposta.”
As contribuições das academias de ciência dos países membros do G20 irão gerar um documento — o “communiqué” —, a ser finalizado em julho. Pela primeira vez, a carta será encaminhada para a análise das nações antes da Cúpula dos Líderes, prevista para novembro, no Rio. A pauta do S20 deste ano gira em torno de cinco temas: bioeconomia, desafios de saúde, Inteligência Artificial (IA), justiça social e transição energética.
“Sem ciência, não vamos ter desenvolvimento, redução da pobreza ou transição energética”, ressaltou Nader, referindo-se à conexão do trabalho do S20 com a agenda do Brasil no G20. O país tem como eixos de atuação o combate à fome e à desigualdade social, o desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global.
Grupo heterogêneo
Em busca da construção de propostas conjuntas, a ABC quis trazer para o centro do debate as diferenças dos países membros do G20 para um diálogo mais realista, com a intenção de propor potenciais políticas de Estado que tenham efetivo impacto global.
De acordo com o vice-presidente sênior de redes de investigação da Elsevier e professor emérito da Universidade de Campinas, Carlos Henrique de Brito Cruz, o G20 é heterogêneo econômica e demograficamente. Alguns países têm mais dificuldade de converter as produções científicas em resultados, como o Brasil.
“Enquanto algumas nações investem centenas de bilhões de dólares em pesquisa, como Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e Coreia do Sul, outros aportam unidades de milhões, como Indonésia, África do Sul e Argentina”, disse o professor.
O Brasil fica em uma faixa média: o investimento total em pesquisa e desenvolvimento corresponde a aproximadamente US$ 39 bilhões – somando-se os aportes de governo, empresas, universidades e investimentos externos, de acordo com Brito Cruz.
“Os países de ingressos baixos produzem mais trabalhos científicos do que os países mais ricos, mas um dos maiores desafios em países como Brasil é obter retornos econômicos das pesquisas. No Norte Global, o setor privado contribui mais com pesquisa e desenvolvimento do que no Sul Global”, disse.